1.3.06

Prelúdio

Figura minúscula, quase olvidável: imprecisa, efêmera, cálida. Grandes olhos castanhos que às vezes verdes ou azuis e que são assim grandes desde o primeiro e insuportável espanto: nascer.
Os pés são azuis. Não por terem nascido assim, mas porque os pinta de azul para lembrar-se de que abixo de toda complexidade há aserenidade tranqüila e simples - ao menos cromatismo.
O sorriso num estourar colorido de fogos de artifício, formando agradáveis mandalas e efêmeras no céu noturno, sem pesar. Mas com o mesmo artifício de tristeza e alegria convulsos, cúmplices - sublime transitoriedade.
Leve..., pequenos dedos suaves e imprecisos, aparentando não encontrar lugar e por pura indecisão ora pintam ora escrevem, ou deixam-se quedar desconfortáveis e curiosos sobre as formas e texturas.
Pequena. O que a torna grandiosa pela peculiar capacidade de ocupar os espaços mínimos; encaixar-se como chaave-mestra capaz de perscrutar todas as pequenas portas, e somente essas, todos os lugares recônditos.
Nascida antes de uma grande pausa e após uma vírgula que nunca foi colocada. Então ficou sendo assim misturada, incerta, fruto do indecifrável silêncio seguido de um sim.
Por conta desse pequeno problema de pontuação teme o grito; talvez porque esse não possua meio, ínterim, só início e fim. Talvez porque o grito gozoso ou espantado seja sempre o descalabro do inominável e sem razão.
As questões a atordoam e o grito sempre inesperado vem e vai avassalador e a deixa fria, petrificada e inconsolável - devassada pela surpresa da coisa-viva que grita e espantada por experimentar o desespero dela, feito seu num vagido.
Ser efêmero é desafiador, um assombro, é desconcertante... Como negar que a coisa-viva do outro convulsiona quando seu grito atinge em cheio nossos tímpanos? Ah, ele despertou... Descobriu que está vivo e que pode num estalo não mais estar.

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