27.3.06

Soul Blue

Eu sinto tanto... sem sequer poder libertar-me do que sinto.
Ontem suas lágrimas e desepero tão característicos,
A familiar desesperança desatou-se como uma elástico ou flecha
Que simplesmente se soltasse com inteireza.
E tive tanto medo...
Um medo assim de mim sem você que dispara
Sua eterna flecha sem alvo.
Copioso desata sua dor em mim sem segredos, em desalento.
E eu só sei sentir, me é atávico, só sei estar, imergir...
Que diria eu que pudesse aplacar seu pesar eterno e antigo?
Saberia? Poderia mesmo, eu, ser portadora de alguma paz que se presenteasse?
Diafána e jamais arrogante?
Então tudo fez-se silêncio, acolhedor, cúmplice, quase em paz...
Toquei você enquanto chorava,
Seus olhos de um negro imperscrutável, denso.
Estive presente mas não falei palavra,
Não queria ofender sua dor tão particular quanto única.
De todo azul que em você se produziu não usei um gota sequer,
Não plasmei seu sofrer como um quadro
E sim como um suspiro...
Suspiro que se queria último e lamentava saber que não estava acabado.
Ainda..., ainda...
Um mantra sofejado eternamente e a contra-gosto,
Convulsionado.
Por nada poder fazer eu nada fiz - e isso já é tanto...
Que posso dizer? Estou aqui.
Estive, vi, fiz parte e nada mais.
Só quero que saiba ... Se não puder ou quiser,
Quando não for mais possível e se preciso for...
Perdôo você...

23.3.06

A vida oferecida como dança

Noite alta e sua ausência lenta e rasteira...
Que faço..., onde estou?
Não tenho para onde ir, de onde partir ou por quê?
Deslizo como uma valsa triste...
Eternamente cantada por um músico enebriado,
Que já nem sabe de si ou da valsa - em êxtase.
O amanhã tão aguardado me custa, o tempo escorre como mel
Segundo a segundo...
Permaneço, eternamente a espera.
Eu te amo tanto, tanto...
Perdôa, sei que é cruel e inevitável - te amar, temer...
Amo baixinho e rubro como o sangue dentro da veia,
Sanguenolenta e discreta, mas pulsante.
Bailo estonteada por ti, em transe onírico...
Sorvo o halo de tua chegada longíqüa.
Amo e permaneço amando,
Amém...

1.3.06

Onírica

Tive um sonho estranho
que por alguma razão me retirou a paz.
Imagens vagas e difusas de um temporal sobre minha casa.
Tudo de repente se transfigurou... O que era uma conversa casual, tão comum, entre amigos
De um mal entendido fez-se uma tempestade.
Ventava ao ponto de termos que nos agarrar aos objetos da casa para não voarmos,
Então dois raios caem: um na sala e outro em meu quarto...
Assistia a tudo atentamente.
Houve um grande cataclismo mas salvaram-se todos, mesmo após tudo ser perdido ou despedaçado à nossa volta - sobrevivemos.
E então o medo de olhar o desconhecido, o medo de ver o que não compreeendo.
Fatalmente postergado e inevitável - vi-o...
Havia desejos escusos e destruição, pensamentos impuros vindos de estranhos, indefensáveis.
E é tão forte quanto inexprimível - só poderia ser experienciado.
Cá estou com esse sonho guardado e por mais que o conte, persiste ainda.
Não sei dele, mas sua sensação me sabe inteira e me toma.
Depois dele sinto-me como que sonhada...

Prelúdio

Figura minúscula, quase olvidável: imprecisa, efêmera, cálida. Grandes olhos castanhos que às vezes verdes ou azuis e que são assim grandes desde o primeiro e insuportável espanto: nascer.
Os pés são azuis. Não por terem nascido assim, mas porque os pinta de azul para lembrar-se de que abixo de toda complexidade há aserenidade tranqüila e simples - ao menos cromatismo.
O sorriso num estourar colorido de fogos de artifício, formando agradáveis mandalas e efêmeras no céu noturno, sem pesar. Mas com o mesmo artifício de tristeza e alegria convulsos, cúmplices - sublime transitoriedade.
Leve..., pequenos dedos suaves e imprecisos, aparentando não encontrar lugar e por pura indecisão ora pintam ora escrevem, ou deixam-se quedar desconfortáveis e curiosos sobre as formas e texturas.
Pequena. O que a torna grandiosa pela peculiar capacidade de ocupar os espaços mínimos; encaixar-se como chaave-mestra capaz de perscrutar todas as pequenas portas, e somente essas, todos os lugares recônditos.
Nascida antes de uma grande pausa e após uma vírgula que nunca foi colocada. Então ficou sendo assim misturada, incerta, fruto do indecifrável silêncio seguido de um sim.
Por conta desse pequeno problema de pontuação teme o grito; talvez porque esse não possua meio, ínterim, só início e fim. Talvez porque o grito gozoso ou espantado seja sempre o descalabro do inominável e sem razão.
As questões a atordoam e o grito sempre inesperado vem e vai avassalador e a deixa fria, petrificada e inconsolável - devassada pela surpresa da coisa-viva que grita e espantada por experimentar o desespero dela, feito seu num vagido.
Ser efêmero é desafiador, um assombro, é desconcertante... Como negar que a coisa-viva do outro convulsiona quando seu grito atinge em cheio nossos tímpanos? Ah, ele despertou... Descobriu que está vivo e que pode num estalo não mais estar.