27.2.06

O amante

O desprezo do amante... Como não desprezar tal ser que nos rouba todos os preciosos momentos e dá forma a nossa dor? Como, se até mesmo o nosso vazio agora é dele?
Amar alguém possivelmente é a coisa mais horrenda que há, posto que funde numa málgama perfeita o sublime e o terrível. Estupefaciante como uma esfínge egípcia - monstruosamente bela.
Sublime e terrível ser amado que inquieta e comove. Como dirigir-lhe a palavra sem uma pausa - suspiro - de receio e recato?Desprezar - desejar, amar - odiar, sem dúvida sinônimos.
Perceber essa tênue implicação não altera o curso dos acontecimentos e por isso mesmo é vital.
A fatalidade adorável e a tragédia desejada constituem o amante e ao entrarem em combustão o tornam irresistível. Assim é, e assim deve ser... Senão não há ser amado e não há amante, e, muito embora possa haver amor, não há beleza, não há arte possível.
O amante: Caos-Amante, causa-amante. A fórmula caótica e efêmera do fogo e do artifício - calor e desordenada beleza.
O eterno mistério de sua presença, a brúmica solidez de sua aparição.
Quando o presente soa distante e a ausência se faz constante, temos o amante.
Sol eclipsado e nem por isso menos belo. Desespero, prazer e irresistível fluir do tempo...

Por todas as janelas

Amo as pessoas...
Mas não as amo enquanto seres iguais a mim, as amo enquanto metáforas.
O sentido que podem ter em minha vida, é isso que me encanta nelas, é por isso que as busco...
Uma mulher na janela só tem significado para mim que passo e me emociono com ela. É o contraponto entre mim e minha emoção que pulsa..., pulsa e vê a mulher na janela, talvez alheia de si, mas que agora contrasta com minha emoção.
Meu olhar toca a mulher na janela, agora inesquecível...

20.2.06

Minha chegada, tua alegria, nossa saudade...
Partir-te, implicar contigo
É tão inquieto, só...
Tudo que eventualmente aprendi
Ou simplesmente relembrei, que impota?
Terrível instante, eterno.
Ser só e não o querer...
Precisar ir-me...
E ir-se não comporta companhia.
Aceito e não compreendo...
Toda uma vida juntos,
Tanta proximidade...
Intimismo comunitário, nosso.
Dolorido, sangrado deixar-me ir.
Tão despedaçado e sem sentido...
Partir, ficar - sempre aos pedaços.
Eu implico em ti, tu e então nós...
Por isso de tudo se faz saudade
Lágrimas, silêncios e abraços.
Como poderia não ser assim?
Esse prantear sozinho à noite,
Esse desalento...
Desassossego de mim, de nós.
E por não entender escrevo,
Por não dormir e precisar chorar...
Gate, gate, paragate, parasamgate, Bodhi Svaha
(Foi-se, foi-se, foi-se para além, foi-se completamente para além)

17.2.06

Abissal

Hoje sento para escrever por sequer conseguir manter-me de pé... A vida é tão flúida que já não consigo alcançar minha etérea natureza. Distante de qualquer possibilidade os únicos companheiros que me vêm a mente só me têm dilacerada: o gym e o wisky.
Pensei até em fazer um preparado farmacologicamente equilibrado de ambos, quase letal...
Por que essa necessidade de perscrutar a chaga, estirpar-lhe a tênue camada que se quer sarar? E que fazer da inquietação desconfortável de saber que estar são é abrir-se ao sofrer? Desolada por saber, mesmo sem querer, que tudo fatalmente passa, acaba e recomeça. É impossível parar, não há um ombro sequer na trajetória cósmica onde se possa descançar eternamente a cabeça e chorar, para além de qualquer explicação...
E sempre chego nesse vertiginoso penhasco que flutua no espaço e é o mesmo desespero de saber que pular é só sumir, nunca morrer, apenas não ser visto...

5.2.06

Diante de tua ausência

Frente a frente com o que de ti não está,
Aos teus pés entregues na distância...
Tua indelével presença a me atrair.
Como seria o silêncio sem ti? E as auroras sem esperanças ou calor?
Soltos no vento, flutuantes, sem razão.
Meu ponto - pausa a desconvulcionar-me a escrita.
Respirar..., atar-se à morte.
Eu-crisálida tentando romper-te
E que imenso pavor estar, enfim, livre de ti...
Só te sei, presença irracional, vontade de não ser.
Estar em ti, ser-sendo nós. Contínuos, interligados, univitelineos...
Sentir, sen-tir, sem ti...
Onda quebrando em ti eterna praia.
Sempre te buscando, te tocando, nunca te alcançando.
Sendo e não sendo por ti.
E só me sei tu a me prescindir, horizonte distante.
Sempre belo, sempre longe, além...

3.2.06

Acabo de ler as palavras que dedicastes a mim, confesso que as li um tanto sobressaltada e emocionada.
Há tantas coisas que sinto por ti e que me são totalmente sem sentido... O que poderia dizer além de obrigada, assim, alma à alma? Sabes o quão importante me foi tê-la reencontrado e redescoberto, nessa vida circular que levamos. E que bom saber que de um modo ou outro estaremos sempre aqui e sempre juntas...
Pensei em ti escrever baixinho, quase sussurrante, num comentário discreto no que me escreveu. Mas por que não permitir que tantos quanto desejem possam ver o que sinto por ti? Por que só dar ao mundo notícias de nossas baixezas, nossa face oculta? Então cá estamos...
Sabes que é cara a mim toda emação de tua individualidade, plúrima e oscilante; que também me pego amando porções insondáveis e quiçá ainda não descobertas por ti, do que és ou podes vir a ser.
Foi quase por acaso... e digo quase porque somos tão obcessivas que possivelmente tenhamos planejado tudo em nosso último encontro; e com tamanha riqueza de detalhes que nem mesmo nós pudemos acreditar.
É tão reconfortante tê-la junto a mim, ao menos as saudades que sentiria de ti me fazem resistir, continuar. Saber que te lembras de mim e não te esquecer mantém-me viva e pulsante, rubra como um coração que bate sem pensar em parar.
Afinal, é pelos outros que vivemos... Então assim sigo, vivendo um tanto por ti e para ti. Sempre aqui ao teu lado, mesmo longe, não desistindo por ti e por ti seguindo, contigo...
Assim me sei, pé direito sempre a olhar para o lado, sempre a te precisar e a me apoiar em ti e contigo ser um corpo, estar de pé...