8.12.08

Epifânia

Foi subitamente que Epifânia descobriu dentro de um sonho que não poderia ter filhos. Inicialmente relutou um pouco em confirmar suas "suspeitas", mas como tinha que seguir vivendo (assim sempre pensou) tratou de marcar logo um ginecologista que tivesse algum renome e pudesse, com alguma segurança, confirmar seu diagnóstico onírico. E foi assim que tomada de estranha surpresa (como de costume) confirmou a fidelidade de seus sonhos a si mesma - enfim - não poderia ter filhos. Algo dera-se errado desde a concepção e agora estava, enquanto mulher, obstada de produzir um fruto de seu seio. A notícia, estranhamente esperada, encabulou Epifânia, pois, não conseguia entender porque alguém que tanto sonhara em ter muitos filhos, alguém que dispensava inclusive a figura do marido, não podia ter filhos. Lhe pareceu tal realidade de uma incongruência estupefaciante e não pode conter o assumbro que não lhe permitiu sequer desatar seu choro - esperado, desejado e legítimo.
Epifânia quedou-se muda, olhos arregalados diante de uma imagem no espelho que já não parecia sua. Pensou se havia algo que pudesse retirá-la daquele impasse e, como num passe de mágica ou num sonho, pudesse fazer possível uma cura miraculosa e muito súbita. Parecia louca, estranhamente sobressaltada, por mais que interiormente permanecesse calma, a cada dia sua expressão tornava-se mais absurdamente inquietante.
Procurou um médico, tentando saber qual a razão de subíto alterou-lhe o semblante tão gravimente, afinal poderia estar sendo vítima de algum tipo de contração muscular ou derrame, quem sabe até mesmo um tipo incomum de paralisia. Mas nada, por mais que pesquisasse, por mais que procurasse os mais conceituados especialistas, fisiatras, fisioterapeutas, psicólogos, psiquiatras, neurologistas, ninguém parecia poder sequer supor de onde poderia vir tal reação. E, de uma coisa todos pareciam estar certos, não havia moléstia, havia sintoma mas não havia doença conhecida ou conhecível.
Desenganada, ainda que de forma velada pelos médicos, Epifânia seguiu tentando compreender como sua vida havia mudado tão repentinamente. Sonhava ter muitos filhos e, se tudo corresse bem, teria também muitos netos, sonhara que ficara estéril e ao acordar descobrira que era verdade e; desde então, trazia no semblante uma expressão absurda.
Era como se Epifânia houvesse sofrido uma acidente de trem ou batido de frente com um ônibus, a cada nova manhã seu rosto oferecia uma nova e improvável contratura. Certas vezes parecia louca, outras demente e outras gravemente deformada. Decidida a investigar, ao menos para dar sentido a sua condição vigente, Epifânia resolveu gravar-se enquanto dormia a fim de puder reunir mais dados sobre o mal que a acometia. Então, munida de câmeras pequenas, para não retirar a naturalidade de seu quarto, Epifânia preparou todo um aparato que gravaria o menor suspiro, o menor gesto, a menor inteção de movimento...
E como de costume Epifânia jantou seu leite achocolatado com biscoitinhos de cebola, escovou os dentes, vestiu sua camisola de flanela, se recolheu e logo adormeceu - como um passarinho num galho de árvore ao cair da tarde.
Fora uma noite tranqüila, até mesmo mais comum que as outras, acordara cedo e descansada (como quase sempre lhe ocorria) e tratou de procurar ver o que havia sido gravado de si durante a noite.
Epifânia apertou o play e não pode conter as lágrimas que vertiam de seus olhos petrificados diante das imagens...
Durante toda noite Epifânia, de olhos fechados, falava sozinha, sentava-se à cama, permanecia à janela como quem espera alguém chegar ao longe. Por toda noite Epifânia divagava entre travesseiros e lençóis, simulando um bebê em seus braços, conversando com crianças, contando-lhes estórias de cavalos marinhos alados...
Entretanto, o que intrigava Epifânia eram as vozas, as vozezinhas de crianças - de onde vinham? Não pode entender...
Epifânia gravou noites e noites de sono e em todas elas os mesmos gestos, as mesmas vozes e tantas histórias infantis que nunca ouvira eram contadas e recontadas a cada noite... Foi então que com espanto constatou um belo dia, em meio a contratura de seu semblante, um brilho inesperado em seu olhar.
E, como de costume, foi-se Epifânia ver-se nas gravações de sua vida subliminar. Naquela noite Epifânia conversava com as crianças que não poderia mais encontrá-las, que a partir daquele dia elas não se veriam mais e que não poderia contar-lhes as queridas histórias. Houve grande comoção, Epifânia e as crianças choraram por três horas, sem parar, abraçadas aos pés da cama junto à janela. Ao final daquele tempo Epifânia dormiu profundamente no chão e o seu rosto se descontraiu leve, sem nenhum vinco - parecia um boneco de cera ao chão.
Os dias que se seguiram foram ainda mais intrigantes, dia após dia Epifânia descontraia uma porção de seu rosto, outrora desfigurado, até poder reconhecer-se em seu rosto.
Epifânia não procurou os médicos para mostrar a milagrosa cura que ocorrera, nem questionou-se sobre as razões do fato. Foi até a papelaria, comprou pincéis, aquarelas, lápis de cor, papéis coloridos, cola e tesoura. Estava decidida, se não poderia tê-los iria criar com as próprias mãos os seus filhos e começou a modelar com lápis, aquarelas e papéis coloridos seus filhos multicores; os quais cortaria um a um e ao estarem prontos levaria para passear à tardinha na praia. Epifânia sabia que as vozes que ouvira vinham de seu coração lhe dizendo que todo gestar era ser capaz de dar luz a vida - e agora estava empenhada em fazer os seus próprios filhos.as, contando-lhes estersando com crian, sentava-se s...

durante a noitee sempre lhe ocorria)