23.8.06

Laiá, laiá... laiá, laiá...

De Mim labirinto à Ti espelho de muitas águas...

" Uma palavra e eu me afasto.
Uma contenção e eu deslizo.
Não posso evitar o desperdício do que jorra sobre mim.
Um olhar e eu adormeço.
Eu não desminto, mas não fico. Eu não posso...
Um deslize e eu reconstruo. Um desafio e eu retardo.
Eu esgoto minhas versões e recolho os artifícios.
Vou nadar entre os vestígios...
Um contorno e eu embaço.
E me espalho. E me perco. E me falto.
Um trinco e eu me rompo. E afundo afundo afundo.
E me solto, e despenco em abismos de distração.
Uma espera e eu não chego..."

Sonhei contigo e acordei chorada...
Dormida - descobri-nos acordadas.
Revisitei local sinistro, de Cassandricas professias...
E só então percebi que estavas lá, igualmente presa a perder-se sonhada sozinha. Nos reconhecemos com a mesma alegria peculiar. Entre cacos e cascos - famílias e carcereiros... Então fugimos, corremos, descemos pelas insuspeitáveis frestas do lugar. Frestas insondadas e estranhamente conhecidas, possibilidades de aguardo... Ousamos e nos pusemos livres, como jamais tentamos sozinhas. Afundamos a escorrer pelas escadas cujo poço parecia não ter fim - profunda escuridão. Tive medo e ti segui... Um medo de não saber de ti e de mim sem ti, então fui-ti... Chegamos ao fundo e ao olharmos para cima nada vimos - não nos seria dado retornar... Procuramos frestas com a ponta dos dedos, cumplicidade de nós que sentimos o espaço com as mãos. Senti algo e ao girá-lo jorrou sobre nós uma cachoeira de água fria e límpida - sorrimos... Víamos apenas o que tocávamos e os olhos uma da outra. Num consentimento tácito giramos na mesma direção e o que parecia uma parede de pedra intransponível fez-se porta e permitiu-se. Abrimos... E como era larga a vida lá fora, parecia uma chácara numa cidade do interior. Árvores, pássaros e uma linda tarde de sol... Você me olhou daquele seu jeito cheio de luz e chorou feliz como tudo que é belo e sem sabê-lo caminha para a morte... Sorri em retribuição e te abracei beijando-te o alto da cabeça. E foi um abraço longo, apertado, largo e cúmplice... Enfim estávamos juntas onde sempre quisemos estar e você chorava por custar a creditar... e calou balbuciado bolhas. Pingamos...

16.8.06

Girândola...

"Eis a carta dos céus:
as distâncias vivas
indicam apenas
roteiros
os astros não se interligam
e a distância maior
é olhar apenas.

A estrela
vôo e luz somente
sempre nasce agora:
desconhece as irmãs
e é sem espelho.

Eis a carta dos céus: tudo
indeterminado e imprevisto
cria um amor fluente
e sempre vivo.

Eis a carta dos céus: tudo
se move."

("Mapa", Orides Fontela) From Qualquer calmaria

"Minha alma tem o peso da luz. Tem o peso da música. Tem o peso da palavra nunca dita, prestes quem sabe a ser dita. Tem o peso de uma lembrança. Tem o peso de uma saudade. Tem o peso de um olhar. Pesa como pesa uma ausência. E a lágrima que não se chorou. Tem o imaterial peso da solidão no meio de outros."

(Clarice Lispector)

4.8.06

"No es para quedarnos en casa que hacemos una casa
No es para quedarnos en el amor que amamos
Y no morimos para morir
Tenemos sed y paciencias de animal"

(Juan Gelman)

3.8.06

Em Caracolado "Crucius"

Tenho farpas, dizia: "- tenho farpas"
Que posso eu dizer senão ais
Que posso sentir a não ser esse interminável incômodo
- Náusea de mim
Tenho farpas encrustadas em minha pele como ostras
Não flechas que me atravessam
Esse eterno penetar
- punhal guardado no peito-lábio do dorso
Vagido sem cordas - silêncioso e assombrado
Tenho farpas onde não me alcanço...
Aspereza entranhada por fora, tão superficial.
Ínterim
Invisível de mim a reclamar-me olhares.
Tenho farpas e isso me basta.
Tenho náuseas - como conter a contratura de mim?
Como cortar a contextura do mim, sem blefar?
Arrepiam-se-mim as farpas: "-Calou".
E vi meus olhos arderem para além de mim - sumia...

1.8.06

Pés descalços

Na epilepsia corpórea do amor,
Tudo se me converge,
Nada se me escapa - feridas abertas.
Incurável sou...

Teria eu me enganado?
Não serei então farsante
E me darei ao luxo de -
nesses tempos de escassez -
Morrer de amor?

Delirante sou, ardo em febre,
Dá-me vida o frescor do alvorecer...
Não, trágica é a vida
E irei cumpri-la por certo.

Vagando vou,
Toque acetinado de meus pés
Enquanto lábios...
Meu amor entornarei pelo caminho.
Bela estrada de amor se olhas atrás...