11.2.09

Bio - Grafia ou com o macio dos dedos nas entranhas rubras

Eu, desde pequena sempre tive uma certeza, a de que a dúvida muitas vezes é um benefício duro e bom de se ter a sua disposição; sobretudo quando não se tem certeza sobre os começos. De alguma forma isso sensibiliza e não foi diferente comigo. Cresci com duas primas, as quais já trilham caminhos para longe de meus passos...
Desde muito pequena sempre houve uma “estranha” simbiose entre mim e os outros animais, as plantas, as pedras, o vento e os seres que não possuem mais um corpo físico para transitar nesse mundo. Tive uma infância, afora esses pequenos detalhes, muito comum. Corria pelo mato, subia em árvores, contemplava o por-do-sol, imitava os pássaros, comia frutinhas desconhecidas, nada que qualquer criança que tenha oportunidade não faça.
Entretanto, meus afetos de criança me faziam uma criança excessivamente sensível aos demais, “bicho do mato”, solitária, afeita às palavras, afoita... Fiz amigos em todos os reinos, cães, palmeiras, pedras e em todos os planos. No astral fiz amigos, reencontrei outros em sonhos de vigília ou não.
Aos 5 anos minha mãe me contou que eu era adotiva e a forma como eu cheguei até ela. Também aos 5 anos tomava uma dose de whisky todos os dias, normalmente após o almoço, para acompanhar meu pai (inicialmente) e depois porque eu e o whisky tínhamos lá nossa profunda amizade. Aos seis vi a “primeira pessoa que não devia estar lá” de minha vida – um homem alto, de terno e sapatos escuros com seus negros cabelos e sua pele branca combinando com a blusa branca que usava. Foi também aos seis que tive meu primeiro sonho premonitório acerca de mim, e como sempre me acontece, não pude evitar o estava por vir...
Então, um amigo da família, que vivia em nossa casa, brincava comigo constantemente viu em mim a mulher que eu seria ao invés da criança – eu tinha lá minha malícia, sabe como é, muito madura para algumas coisas e, ainda assim, nada além de uma criança – e me agarrou e, enfim, deslizou seu corpo no meu comigo suspensa em seus braços, mas me soltou quando eu exigi que me coloca-se no chão e me largasse. Sem maiores conseqüências, acho, mas isso me fez um tanto cautelosa quanto a minha exposição pessoal e sensualidade.
Dos 11 aos 13, os primeiros mal estares causados pelo álcool. Aos 13 anos a escrita se me aflorou e comecei a escrever coisas lindas, desenvolvi o gosto pela palavra (o qual me acompanha até hoje), pela semântica, pela poesia, a subjetividade dos seres. E, assim como a escrita, minha mãe deu à luz a meu irmão. Aos 15 comecei a fazer Terapia Transpessoal e fui aos poucos me abrindo posto que a essa altura era muito retraída e afeita à solidão. Nessa época minha relação com minha mãe se tornou insustentável, atritos, afastamentos, cactos brotando no peito...
Aos 16 anos o ponto culminante dos versos de amor e das angústias internas, o desgosto das relações humanas, o silêncio se fez fúria, revolta, agressividade – e a criança quase muda, silente, que se obrigava a aceitar, engolir calada, disse NÃO a tudo e a todos, sobretudo, os mais queridos, os mais amados...
Dos 16 aos 18 instaurou-se a guerra e os milhares de armistícios, as fronteiras se alargaram sob a égide da espada e a menina acanhada fez força, desenterrou seus mortos, destilou seus venenos... Nesse período minha relação como meu pai se deteriorou e fiquei só dele também.
Aos 18 passei na Faculdade em Salvador e fui morar sozinha. Descobri os prazeres de possuir o próprio espaço e atender às próprias necessidades – iniciou-se a ampliação de minha perspectiva de mundo.
Dos 18 aos 25 conheci o sexo, uma experiência transformadora, abusei do álcool, das festas, experimentei psicoativos, fiz escolhas perigosas e, sobretudo, acertadas, trilhei os caminhos tortuosos da provação auto-infligida, da profunda solidão e amargura e venci – havia sobrevivido a mim mesma – e, entre mortos e feridos lá estava eu de pé.
Aos 20 tive uma depressão que, arrisco dizer, teve fundo emocional e espiritual, a qual foi curada com muito amor e sexo e a presença generosa de um namorado terno, íntimo, amigo e cúmplice – durou uns seis meses e me fez perceber muitas coisas acerca de mim mesma e de minha capacidade de auto-regeneração.
Redescobri o amor por minha mãe por volta dos 23 anos quando me encontrava numa busca por resgate de ancestralidade e aprofundamento do sentido do feminino a partir de mim. Daí pra frente rompi definitivamente com meu pai aos 24, larguei o escritório comum, a casa da família e passei a repensar a vida enquanto pintava camisetas e terminava a Pós-Graduação regada a coquetéis de frutas.
E aos 26, pela graça, descobri que nosso rompimento não havia sido definitivamente. E, então, voltei para casa, para meus pais e meu irmão. E após muita dor e alguns anos distante o furor se fez brando e o fogo que devastava começou a arder e deu lugar ao calor que aproxima e aquece. Hoje, estou me curando, me recuperando dos machucados que me causei após me debater todos esses anos, um surto epiléptico de vida – vida que desconhece, que estranha, que teme e freme alucinada.
Agora, em meu vigésimo sétimo aniversário, me reconciliando comigo mesma e as partes de mim que ainda são sombra, como quem fuça a própria carne aberta a procura da lança, bala, dardo – por saber nesse doloroso intento seu único meio de se curar.

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