13.9.07

Fêmea

Que dizer de ti já tão devassada por tuas angulosidades, tuas grutas úmidas, tuas reentrâncias sempre pavorosas.
Tua metamórfica anatomia, tua permissividade líquida...
Facilmente se diluindo submergida nos líquidos que a despeito de seu volume sempre te absorvem. Tu, mestra da comunhão.
Teu vente macio a incitar deleites, esconderijos, alentos – pouso perfeito para o espírito latente.
Tu que és infestável, imcompreensível em teu amor as coisas indefinidas, desconhecidas. Inaceitável por tua fé absoluta e irracional tanto em si mesma como nos demais seres.
Senão, como amarias o verme que se alimenta de tuas entranhas e dar-lhe-ia a herança de tudo que és?
Como podes? De onde vens com teus mistérios, tua medicina fantástica, tua alegria?
Como podes chorar de alegria com tamanho alarde?
Contraditória em tua própria constituição, posto que quando as pernas caminham retas teu quadril em concha se curva para logo se estreitar novamente na cintura e terminas por desabrochar seios, tão perfeitamente arredondados, pendentes e curiosamente estáveis - de uma textura sem par.
Inconfessável em tua manifestação mais corriqueira, tu e teus segredos obscuros.
E como fazes tão delicadamente tantas incontáveis coisas? Que domínio tens de si mesma? Como podes oferecer tanto amor com tua simples presença?
Em tua presença os ares são amenos, as vozes se esforçam para não abalar teus ouvidos sensíveis sempre atentos aos menores balbucios das pequenas criaturas esquecidas.
A ti tudo aparenta leve, frugal, sem receio... Tu que caminhas de braços dados com a vida e sua crueza, amiga dos tempos imemoriais de onde foste tragada para a vida e através do qual trouxeste tua sabedoria a muito desconhecida.
Caminhante das águas sobre e sob a terra, águas que te percorrem e em ti lágrimas se fazem sangue e leite que vertes.
A sempre solicitada, mesmo no ódio, testemunha ocular dos primórdios da vida, potencia de manifestação do mundo.
Teus filhos sedentos de teu leite, famintos de tua carne, que caminham a boa estrada vermelha construída por ti com teu próprio sangue.
A ti, desde os ossos até os mais etérios eflúvios que de ti emanas...
A nação das fêmeas te saúda, unidas pelo fio de sangue com que tecestes a bases da estrada vermelha de todas nós.